A Angela Carneiro, uma escritora e ilustradora muito talentosa (com quem eu esbarrei na internet nos últimos dias e que passei a seguir) veio visitar o útero vazio e me enviou o seguinte comentário:
"Gostaria de entender melhor a sua tese!"
Lá fui eu responder o comentário e quando vi já não cabia mais no espaço destinado à mensagem, então a minha resposta acabou virando esse post, o que no fim das contas é uma coisa boa já que permite que eu compartilhe, mais uma vez, o que me levou a criar esse blog.
A minha tese, que eu nunca chamei de tese até hoje, nada mais é do que experiência própria. Nós, mulheres, fomos e somos moldadas desde pequenininhas não só a desejar mas a aceitar incondicionalmente a maternidade como algo intrínseco à nossa existência. Nasceu mulher = vai parir e só então experenciará a evolução absoluta, o amor maior, o sacrifício divino; só então entenderá a importância de ser mulher, etc, etc, etc. Como se a condição feminina fosse uma ciência exata, como a matemática, ou prevista por natureza e por lei.
O que funciona muito bem para quem quis e quer ter filhos, quem desejou ou assimilou esse amor maternal "nato" que brotou, cresceu e se instalou tão naturalmente em suas vidas. Mas e quem não se sente assim? Quem nunca sentiu esse desejo brotando? Quem não deseja parir, não deseja adotar, não deseja ser mãe? E quem ainda não decidiu? Quem, em vários momentos, pensou: será que eu quero isso pra mim? Onde é que essas mulheres todas cabem, vivem, se escondem? Onde é que esse debate, esse questionamento, essa reflexão individual em um meio coletivo acontece? Não acontece.
Simplesmente não há espaço em nossa sociedade para isso. O que existe é o estigma, o preconceito, o desrespeito. O que se ouve é um coral de vozes a repetir: “Ela é egoísta, é imatura, nunca vai se sentir completa, deve ser infértil a coitada, o marido vai largar por outra que queira dar filhos pra ele, essa pobre vai envelhecer sem ter quem cuide...” sempre partindo do pressuposto de que a situação da mulher que não pode ter filhos deve suscitar piedade, e de que a escolha consciente de não ter filhos deve despertar o desprezo ou o julgamento. “Ela não sabe o que está fazendo, está cometendo um erro e vai se arrepender.”
E as poucas mulheres que não sentiram o desejo de se tornarem mães e decidiram não ceder à pressão social e seguir adiante sem filhos acabam passando o resto de suas vidas à margem e temendo pelo dia em que, de acordo com os outros, descobrirão que tomaram a decisão errada.
A minha tese, dona Angela, é que já passou da hora de abrir espaço para quem ao menos se permite questionar esse condicionamento para saber se ele virou desejo mesmo ou não, porque só através desse questionamento é possível tomar uma decisão de forma consciente e não apenas automaticamente, achando que ter filhos é o que devemos fazer, porque é isso o que esperam de nós.
Imagem: A woman reading by a window de Vilhelm Hammershoi
Fonte: http://www.friendsofart.net/en/artists/vilhelm-hammershoi
A maternidade consciente deve ser uma benção. Uma experiência incrível sem sombra de dúvida. Mas a maternidade indesejada, por sua vez, deve ser a pior maldição. Então tratemos de enfrentar o medo de descobrir se queremos mesmo nos tornar mães. Lendo sobre outras mulheres ao redor do mundo que através de livros, desenhos, quadros e diários compartilharam conosco seus medos, dúvidas, descobertas e certezas sobre uma vida sem filhos.
Este espaço é para todas elas, é para todas nós, que agora temos um útero vazio repleto de informações que podem nos ajudar a tomar ou entender melhor a nossa decisão sobre a maternidade.
Quem decidir que quer ter filhos tem mais é que ter mesmo, quantos quiser, paridos ou adotados, e ser muito feliz. Filhos desejados, que venham todos! E quem não pode ou decide não tê-los deve poder seguir em paz sabendo que o mundo também pertence a elas e que elas não estão sozinhas no mundo. Já que o mundo não é feito só de filhos.
Nicole Rodrigues
Imagem: A woman reading by a window de Vilhelm Hammershoi
Fonte: http://www.friendsofart.net/en/artists/vilhelm-hammershoi
Entendi, dona Nicole! :-) Como há a citação de Beatrix Potter, que, creio , não teve filhos não só pela idade avançada com que se casou como pela doença serísima de sua infancia, pensei que falasse em geral! Mas fala da opção. Tenho uma amiga assim, não sonha,nunca sonhou, nunca quis, chegou a cogitar mais pra agradar a um namorado da vez, mas a ideia de gerar não a agrada. Feliz do nosso tempo em que há escolha!
ResponderExcluirContinuando, pois a primeira vez escrevi pra caramba e o google não aceitou, acredito que mesmo a mulher que nunca quis filho tem, em si, uma generosidade atávica. Pois na maternidade permitimos o corpo se deformar para abrigar um ser, fabricamos leite, então,mesmo sem nunca poder ter ou querer ter ou não ter oportunidade de ter, somos, acredito, a que cede mais em um casal em diversas situações. Vejo que em casais lésbicos ambas cedem em igualdade de condições.
ResponderExcluirMuito boas as reflexões do seu blog, Nicole! As mulheres têm direito à escolha e acho uma grande bobagem essa história de que toda mulher nasceu para ser mãe. Nem todas têm essa vocação/desejo/vontade. Acredito que estamos aqui para sermos felizes e o caminho para essa felicidade é diferente para cada pessoa. Salve a liberdade!
ResponderExcluirNicole, minha flor, seus textos sao tao completos e perfeitos que fiquei com poucas palavras...hehehe!! Por favor, continue nos presenteado com seus pensamentos maravilhosos e que traduzem tao perfeitamente os sentimentos de nós mulheres que tivemos a ousadia de escolher!!!
ResponderExcluir=D
Que bom que você gostou Franciane! ;) Pode deixar que eu vou continuar enchendo o útero vazio de textos :)
ResponderExcluirEu tentei acessar o seu perfil mas não consegui. Você tem um blog ou email através do qual eu possa me comunicar com você?
o meu é: heterocefala@hotmail.com
Um grande abraço e volte logo!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAdilia, olá! Que coisa boa vê-la por aqui. Viva a liberdade sim! A escolha, a opção, o livre arbítrio! E volte sempre, viu?
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