quinta-feira, 5 de maio de 2011

Mais do mesmo



 


Já faz algum tempo que ando pensando nisso quase sem parar, daí lembrei de um texto da querida Lélia Almeida que começa assim:

Hoje a minha faxineira me disse que nem gosta mais tanto assim do marido, mas que vai continuar com ele. Perguntei o motivo e ela disse, Dona Lélia, ele nem me bate!”

E assim a vida continua ao lado desse porque ele nem me bate, daquele porque ele nem reclama, do outro porque ele nem me trai.

Daí penso: será que nós mulheres poderíamos ter estabelecido expectativas mais baixas em relação aos nossos maridos?

Será que precisamos mesmo nos submeter tanto assim, porque tem mulher que apanha todo dia então se não apanhamos já somos sortudas; se não temos um marido bancando o pai e reclamando de tudo 24 horas por dia já é vantagem, se o marido não enche a nossa cabeça de chifres isso já conta pontos pra ele... Como e quando nós decidimos que o pouco que as mulheres da idade da pedra receberam dos maridos será o pouco que nós também teremos?

Será que esse não é o tipo de herança que é melhor recusar? Porque se não for pra ter um marido bom qual é a razão para ter um marido? Problemas e crises todo casamento tem, afinal de contas são duas pessoas dividindo o mesmo espaço e tentando alinhar sonhos e vontades individuais ao mesmo tempo, mas daí a um casamento inteiro ser um martírio, um sacrifício, um sofrimento contínuo, um dia atrás do outro, como uma fila indiana de frustração, insatisfação, desconsideração e desrespeito.

Antes, quando as mulheres não podiam estudar, não podiam votar, não podiam se divorciar e não podiam escolher seus próprios parceiros, não fazia sentido algum, mas pelo menos historicamente compreendia-se as razões que as forçavam a continuar em um casamento que só as machucava. Mas hoje em dia? Que, pelo menos no nosso Brasil, nós, mulheres, temos direito a tudo? Pode demorar ou custar um pouco mais caro, um pouco mais de esforço, de vontade, mas querendo e se permitindo tentar uma mulher brasileira pode sim chegar a qualquer lugar e posição que desejar, então por que nos contentamos com o pouco que nos dão? Com esmola, com resto?

E não adianta dizer que não existe homem bom porque existe. O que não existe é oferta sem demanda. Se não tem quem queira o produto ele sai do mercado e é obrigado a ser reformulado até agradar os consumidores. Se marido que bate for denunciado, se marido que trai for largado, se marido que reclama o dia todo for recriminado, uma coisa ou outra vai ter que acontecer: ele vai mudar, ou você vai largar. Pode não ser na primeira vez, mas opção você tem. O quanto vai durar, quantas chances você vai dar, quantas vezes você vai tentar, vai avisar ou vai perdoar, é decisão e problema seu, mas não venha me dizer que não tem solução porque tem.

Se o cara não muda, não melhora, e nem tem intenção de mudar o que diabos você ainda está fazendo aí? Cada dia nessa situação é um a menos de felicidade e um a mais de mais do mesmo. E não adianta culpar os filhos ou a velhice porque no final a decisão de continuar nos trilhos da infelicidade é sua e só sua, de mais ninguém.

E quem acha que não é bem assim deveria ler o livro “Quando as mulheres rompem” da Isabelle Yhuel. Segue o meu trecho favorito abaixo.

"Madeleine, 68 anos, pediatra.

Ao final de três meses de mais uma reforma na casa, compreendi que apesar das aparências eu não tinha vivido com Victor. Depois de 20 anos roçávamos na vida como ao longo dos corredores dessa casa que habitávamos, onde cada um tinha o seu quarto num extremo já que a rotina de nossas vidas não era a mesma, estando Victor insone metade da noite. Ele era diretor adjunto de uma sociedade, trabalhava muito, viajava muito, e eu era pediatra. Portanto tínhamos levado com os nossos filhos uma vida familiar bastante frouxa. Victor tinha sido casado uma primeira vez e eu também, antes de nos casarmos. A reforma foi um momento terrível, porque mesmo tendo cada um de nós mantido as ocupações, o cotidiano depressa foi de faísca entre nós! Revelávamos ser totalmente insólitos um ao outro, não tínhamos de modo algum evoluído da mesma maneira. Victor tinha se ocupado de curiosidades culturais e sociais, que partilhávamos antes, curvado sobre um mundo de questões superficiais que não me interessava, o mundo das aparências, e eu não tinha grande coisa a partilhar com as pessoas que ele freqüentava. Já eu tinha amigos com os quais ele se aborrecia. E, depois, ele estava sempre ocupado. Todos os dias ele tinha a necessidade de organizar dezenas de coisas a serem feitas no dia seguinte, enquanto eu tinha o desejo de suspender o tempo e aprender a andar e a viver devagar. Eu desejava o tempo como um vasto espaço aberto diante de mim, o que só acontece tarde na vida, quando os filhos já estão grandes e nos sentimos mais sozinhas. Como estávamos ambos sob a influência desta passagem à reforma, que não é uma etapa fácil de gerir, eu me conformei. Mas tudo ia de mal a pior. Ao escutá-lo eu não o ouvia. Eu não suportava a presença constante dele na minha vida, nas minhas decisões, na minha rotina. O modo como ele se apropriava de todos os cômodos; tinha a sensação de que ele estava em todo lado ao mesmo tempo, deixando rastros de bagunça, embora ele dispusesse de um escritório na casa, e eu não. Eu não tinha um lugar em minha própria casa onde eu pudesse estar tranqüila, sozinha, sem ser interrompida. Então eu acabava me forçando a sair da casa na tentativa de encontrar algum conforto até finalmente ficar esgotada e de mau humor. Quando chegava, fatigada, temia que ele lá tivesse porque ia fazer perguntas , ligar a televisão. Achava-o extremamente barulhento. Claro que havia também momentos de cumplicidade e riso, mas o prazer a dois era tão pequeno e escasso em relação ao peso da vida cotidiana com que atingia os meus nervos.

Por vezes eu soltava um “Precisamos nos separar”, mas sempre soava tão ridículo nas nossas idades... começar de novo...

A minha irmã mais velha me ajudou sem saber. O marido dela, que sempre tinha sido autoritário, se aposentou e a partir desse momento a convivência deles se tornou insuportável. Ela dizia que vivia os anos mais difíceis de sua vida, com ele sempre por perto a reclamar. Vê-la assim tão infeliz, me fez tomar uma decisão. Disse a mim mesma que aquela não era a velhice que eu queria pra mim e preveni Victor de minha intenção de nos separarmos. Mas ele achou que não aconteceria e nem se deu ao trabalho de discutir. Então uma tarde eu disse: Amanhã eu irei embora. “Você não me avisou que tinha uma viagem organizada com amigos” respondeu ele pois pensou que as malas eram pra uma viagem. Eu não parto em viagem. Fico nesta cidade ou país mas amanhã deixarei essa zona. Então ele me ameaçou, lembrou-me que eu não tinha nada, visto que a enorme casa onde vivíamos era dele, havia sido comprado com o dinheiro dele. Fez-me uma chantagem banal citando o dinheiro. Eu tinha consciência de que uma forma de bem-estar iria desaparecer da minha vida, mas também tinha consciência de que me restavam, na melhor das hipóteses, dez ou quinze anos para viver com boa saúde, ainda viva e curiosa, e estes anos seriam, por outro lado, mais preciosos do que qualquer conforto que aquele casamento pudesse me garantir. Portanto mantive a minha decisão. Então ele pôs-se a chorar disse que não suportaria ficar sozinho, e entrou em pânico como uma criança. Isto reforçou a minha decisão, eu não queria viver com alguém unicamente PR razões práticas pra ele e pra um conforto recíproco. Eu a governanta, a secretaria, a faz-tudo, ele o rei que me sustenta.

Aluguei um apartamento bonito de 3 cômodos e um preço bem razoável. Preveni os amigos de que substituiria o salmão pela lentilha, mas os encontros para bater papo seriam os mesmos. Os meus filhos reprovaram, mas depois se acostumaram com a idéia. Eles e os meus amigos tinham medo por mim, pensavam que eu sentiria falta dele, ou do conforto. Todos hoje estão tranqüilos depois de verem no meu rosto e ouvirem na minha voz que esta ruptura foi uma libertação.

Eu não estou só, mas livre, não é a mesma coisa e não penso em voltar a viver com alguém. Parece estranho levantar essa questão agora que tenho 65 anos, pois imaginamos que com esta idade toda a vida de sedução terminou. Eu própria pensava assim. Com o meu marido nós quase já não fazíamos amor. Atualmente eu vivo uma verdadeira relação amorosa. Quando me vou encontrar com esse homem o meu coração bate, e eu estou lá de corpo e coração. Vivendo só eu descubro todos os dias que sou diferente do que eu pensava. Claro que chegará um momento em que as minhas forças declinarão, em que estarei cada vez mais doente. Será preciso ficar com o meu marido unicamente para sermos um dia enfermeiros um do outro? Não quero alienar o meu presente para um possível futuro, o qual não sabemos nem como será. Encontrarei soluções à medida que as dificuldades se apresentarem, como fazem tantas mulheres sozinhas, viúvas ou celibatárias.
Só hoje compreendo o que significa a palavra independência. Eu era uma mulher autônoma, mas me pergunto até que ponto a personalidade e o estilo de vida de Victor me limitaram a uma vida que não é a minha escolha. Amo a minha independência.
Hoje em dia, aprendo a ser suficiente para mim mesma, a pensar por mim mesma, a mudar a minha vida quando decido, a não me colar a códigos de conduta ou decência, a ser livre!"

Nicole Rodrigues






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