Em “Um amor conquistado – o mito do amor materno”, Elizabeth Badinter nos mostra de maneira muito clara que o amor materno inato é um mito. Não é “dado”, mas sim, como deixa antever o título da obra, “conquistado”.
Porém, acreditamos em nosso imaginário que tal amor seja algo natural. Algo que nasce com as mulheres, verdadeiro apanágio feminino. Fala-se até de “instinto materno”. E coitadas daquelas que não o têm! Sofrem um certo preconceito, pois falta-lhes qualquer coisa de fundamental!
Essa convicção se dá basicamente por duas razões.
A primeira é devido à imposição feita pela cultura, responsável pelo desenvolvimento do modelo de amor materno conhecido atualmente e com o qual temos convivido desde o século XIX.
A segunda, em uma relação de causalidade circular com a anterior, deve-se à necessidade de se idealizar a relação mãe-filho, idealização que obedece ao desejo de união perfeita, fantasia de completude que protege o indivíduo das ansiedades e medos mais primitivos de separação, abandono e perda.
Desse modo, a mãe é concebida como alguém puro a quem são atribuídos apenas sentimentos nobres de acolhimento, abrigo e continência no que diz respeito a sua cria. A criança, é vista como um ser que se satisfaz total e plenamente com uma relação fusional com ela satisfazendo-a do mesmo modo. (Um exemplo do valor dado à tão sonhada relação, são as expressões artísticas cristãs que retratam sempre a Madona olhando o Menino Jesus com enlevo e este, por sua vez, retribuindo com adoração).
O caráter ambivalente e contraditório desse modelo de vínculo que reúne sentimentos de aprisionamento e possibilidade de individuação, será enfrentado só bem mais tarde na vida, com a entrada do terceiro na relação diádica composta por mãe e filho, cujo primeiro representante e protótipo para os demais é o pai.
Contudo, o amor materno como o conhecemos atualmente, é aquisição bem recente. Os estudos trazidos por Badinter nos fazem ver que nem sempre foi assim. A mãe tinha mais uma função biológica que afetiva, ficando as crianças ao cargo de amas-de-leite que lhes garantiam a sobrevivência física, o suporte emocional e humanização.
A crença do amor materno instintivo, imaculado e incondicional terá importantes conseqüências no exercício da convivência entre pais e filhos, na visão de guarda e na dificuldade que se observa quando se apresentam modificações nos parâmetros de convívio estabelecidos como “naturais e corretos”, como veremos mais adiante.
Todo afeto para se dar precisa de proximidade física e emocional. Deve ser conquistado com e na convivência. É na intimidade das relações construídas no cotidiano que germina, cresce e frutifica.
E o amor materno não foge a essa regra. Não é decorrente, como se crê, da ação de algum instinto. É afeição que, como qualquer outra, necessita de reciprocidade desenvolvida em um relacionamento estreito e contínuo que assegure confiança e familiaridade aos que dele se nutrem.
Se o amor não é dado, não está garantido de antemão, não é fruto de geração espontânea, mas ao contrário, demanda empenho, cuidado e investimento dos que integram uma relação amorosa qualquer que seja ela – entre mãe e filho, entre amantes, ou entre amigos .
Autora: Eliana Riberti Nazareth
Bibliografia: "Um amor conquistado: O mito do amor materno por Elizabeth Badinter, Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1985.
Interessante; vou procurar o livro para ler. (Tu sumiste). Dê noticias.
ResponderExcluirAbraço.
Também acho mito.
ResponderExcluirE o mais engraçado é que, com todo o feminismo, quando digo que não tenho filhos e nunca os quis, as pessoas se espantam e algumas acreditam que não tive pq não pude tê-los. Ou pq não casei, o que não é impedimento para gerar um filho.
Sociedade hipócrita !
Penso : Será que uma mulher não tem o direito de NÃO querer ser mãe ?
Nunca senti falta de filhos. Dá muito trabalho.
Beijos
Ah Dona Celemar, se fosse só a hipocrisia que temos que aguentar. E os "coitada", "ela é louca", "que mulher estranha", ou os "não é natural não querer filhos", "coitado do marido", "eu hein?...".
ResponderExcluirMas respire aliviada minha cara porque não só temos o direito DE NÃO QUERERMOS nos tornar mães, assim como temos o direito de fazermos isso acontecer de verdade. Não por birra, não por rebeldia, não para chocar quem quer que pense que o nosso mundo gira em torna deles, mas porque decidimos ouvir a voz que existe dentro de nós e que nos sussurra que existe um outro estilo de vida que é possível e que deve ser seguido por aquelas que por ele se sentem atraídas.
:-)