quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O útero vazio

Pablo Picasso

No final de 2009 eu cheguei ao auge de um mal-estar causado pela decisão de não ter filhos. Uma inadequação aguda, uma sensação de ser incompleta, estranha e disfuncional tomou conta de mim e eu não tive com quem conversar pelo simples fato de que eu não conhecia nenhuma outra mulher casada que havia decidido desde muito jovem não ter filhos e que não mais sabia onde e como existir diante da completa falta de afinidade com as mulheres-mães ao redor. Talvez por isso eu tenha desejado com todas as minhas forças encontrar pelo menos um livro, um testemunho, um diário, uma carta, um bilhete, qualquer coisa escrita por alguém que se sentisse como eu.

O desconforto daquela fase foi tamanho que pela primeira vez na vida passei a questionar a minha velha conhecida decisão de não ter filhos: “Será que eu não quero mesmo me tornar mãe? Seria tão mais fácil se eu quisesse! Mas se é assim tão mais fácil por que eu simplesmente não consigo sentir que quero ser mãe?”. Cheguei à conclusão de que eu precisava compreender melhor o que havia me levado a considerar e desejar uma vida sem filhos por todos aqueles (pelo menos 15) anos: a origem, a razão, as conseqüências dessa decisão, e tudo o mais que eu pudesse descobrir e entender sobre uma vida sem filhos, para só então decidir definitivamente o que fazer.

Lembro que após algumas horas de pesquisa na internet ficou muito claro para mim que não era fácil encontrar um livro em português sobre o assunto. Encontrei alguns em inglês e em francês, mas traduzir é o que eu faço para viver e naquele momento eu queria algo que eu pudesse ler sem esforço, sem desgaste, apenas algumas páginas de conforto, de alívio, escritas por uma mulher que não tivesse filhos, dividindo a experiência dela comigo. Fosse boa ou ruim, não importava, eu só queria saber como era, como ela se sentia, como ela sobrevivia, e se era possível ser feliz sem ser mãe.

Tentei as mais diversas combinações de palavras-chaves no Google e cheguei a encontrar algumas entrevistas com casais sem filhos e artigos sobre o preconceito, o estigma... mas estes eram tesouros escassos enterrados em blogs e revistas de variedades, que logo chegavam ao fim sem indicar uma trilha para o próximo texto a ser lido.
Eu estava constantemente lidando com a frustração de ter que retomar a pesquisa e torcer para encontrar algo novo para ler porque não havia uma fonte de informação (museu, biblioteca, site, revista ou blog) dedicada aos aspectos e desafios de uma vida sem filhos que pudesse ser lida no meu idioma e à qual eu pudesse voltar com a certeza de que haveria algo novo na minha próxima visita.

Foi então que decidi juntar e compartilhar o pouco que eu havia encontrado em um armazém online que chamei de Útero Vazio. Um útero vazio que acaba de completar 22 meses de vida e que agora está repleto de sugestões de livros, filmes, biografias, podcasts, artigos acadêmicos, matérias de jornais e revistas, estudos e pesquisas sobre a questão da maternidade consciente e da possibilidade de escolha de uma vida sem filhos.

Um blog cujo objetivo não é decidir, nem sugerir a nenhuma mulher o rumo que ela deve tomar em relação à maternidade, mas sim oferecer a cada uma delas um espaço livre de condicionamentos biológicos, imposições históricas, preconceitos sociais, ou pressões maritais; uma brecha, um refúgio, uma sala de estar onde elas poderão se encontrar, se informar, questionar e refletir acerca da possibilidade de incluírem ou excluírem a maternidade de suas vidas sem sentimentos de obrigação, inadequação ou culpa.

Um espaço que permite a reflexão que, por sua vez, possibilita que a decisão sobre a maternidade não seja apenas tomada, mas muito bem pensada, e mais do que isso: de fato, desejada. Já que tão importante quanto decidir ser ou não ser mãe, é ser capaz de descobrir quando e por que fazê-lo. E tão importante quanto a coragem para reconhecer o desinteresse pela experiência de gerar e tornar-se responsável por uma vida é a coragem para assumir o desejo racional e o compromisso de gestar, parir e cuidar de um filho.

E mais importante do que tudo isso é garantir que a decisão final, qualquer que seja, venha precedida de uma íntima auto-avaliação, de uma visita às profundezas de nós mesmas para que sejamos capazes de identificar, conhecer, explorar e respeitar as nossas características, aptidões, inclinações, limitações, dificuldades e desejos. Porque só então estaremos prontas para decidir e viver em paz com a nossa decisão final sobre a maternidade. Decisão esta que, agora eu sei, é pessoal, individual e intransferível.

Nicole Rodrigues

7 comentários:

  1. Querida Nicole, li suas considerações à respeito da opção maternal o qual considero um trabalho corajoso. Parabenizo-a por fazer sua vontade prevalecer.
    Tenho uma amiga querida, de infância; que decidiu que não teria filhos e assim após muita luta a anos de relutância encontrou um médico que fez-lhe uma ligadura de trompas.
    Hoje, aos 57 anos; minha amiga já casou,ficou viuva, casou novamente e nunca teve e nem adotou filhos.Tampouco arrependeu-se.
    Nós ainda mantemos contato, somos grandes amigas.
    Bjs e flores para minha menina batalhadora e obstinada, Nicole Rodrigues. Adoro vc!!!! Respeito-a e a admiro pelo caminho que escolheu.
    Verinha Frazao

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  2. Nicole

    Gostaria de dizer que seu blog é muito importante para mim e para outras mulheres que como nós, decidiram manter seus úteros vazios mas suas cabecas cheias de idéias e questionamentos! Continue escrevendo! =D

    Fran

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  3. Adoro esse cantinho, e estou aguardando o lançamento do livro afinal já tenho o "As coisas desse mundo".
    ;)

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  4. Querida uterina

    @Vera:
    Muito obrigada por suas palavras (sempre) doces e saiba que o respeito é mútuo porque o pouco que sei sobre ti é o bastante para mantê-la em meus contatos e para o desejo de compartilhar contigo as minhas inquietações, seja em forma de verso no heterocefalando, de protesto no acefalando ou de descobertas aqui no útero vazio. A nossa escolha, o nosso caminho e nem mesmo a nossa geração é a mesma, mas existe um carinho que nos une e que espero que continue a fazê-lo por muito e muito tempo.

    @Fran:
    Você foi uma das minhas melhores descobertas desde que criei este blog. Adoro os seus comentários cheios de insight e os seus emails repletos de informação sobre os mais variados assuntos que você generosamente compartilhou comigo.
    Espero que o útero vazio tenha lhe ajudado ou venha a lhe ajudar na sua caminhada sem filhos. Desejo que o seu futuro seja sem arrependimentos e que você colecione muitas conquistas parindo versões evoluídas de si mesma.
    Assim como gosto de pensar que não nos perderemos de vista.

    p.s. você ainda está usando o hotmail?

    @ Diva:
    Logo após lançar o meu primeiro e humilde livro de poesias eu recebi o seu email me pedindo informações sobre como e onde comprá-lo. A suspresa foi grande, porque jamais havíamos tido contato direto antes e eu não tinha ideia de que do outro lado da telinha estaria você. Depois disso continue aqui, parindo blogs e você aí, apadrinhando e seguindo cada um deles. Obrigada pela atenção que você reserva aos meus escritos e pode apostar que o meu próximo livro (que provavelmente será de poesia) chegará na sua casa assim que sair do forno.
    Agora quanto ao livro ùtero vazio: por favor me dê só mais um ou dois anos porque a pesquisa é grande e sem ela não vale a pena tratar desse assunto.

    Um beijo enorme para todas vocês!

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  5. Oi Nicole,

    seu blog discute um tema sério, atual e muito difícil de ser abordado, por isso acredito que ele faz a diferença para muita gente! Suas postagens sempre nos fazem refletir e ir além do que usualmente se fala a respeito da maternidade.
    Admiro muito sua lucidez e a maneira sempre realista de tratar os temas, sem levantar bandeiras ou sugerir decisões, mas dando a cada leitora a oportunidade de refletir sobre a maternidade.

    Beijos

    Adélia

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    Respostas
    1. Adélia, cadê você? Já tentei tanto encontrar seu perfil no blogger, um bog seu ou seu e-mail, mas nada de achar :(

      rodrigues-nicole@hotmail.com

      Mande um alê quando puder, quero te fazer um convite!

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  6. Que alegria encontrar este cantinho!
    Eu estou em um momento "crucial" se engravidarei. Sou lésbica, casada há 6 anos com a mulher que amo. Estamos em uma linha tênue se iremos fazer uma inseminação na Dinamarca, ou se investiremos em 2 flats para morarmos quando acharmos que não daremos conta de cuidar de uma moradia formal. As dúvidas começaram a aparecer depois que eu tive uma uma dor na coluna este mês. De repente me vi super preocupada com as mudanças que ocorrerão caso abrace a vida materna, começando pela mudança de país (Argentina ou Suécia) para termos mais liberdade em educarmos noss@ filh@ sem os estereótipos imposto no Brasil com relação a dinâmica familiar que impera por aqui. Sinto um desconforto horrível, pois fiz 38 anos e minha companheira tem 48 anos. Não há tanto tempo para pensarmos. Enfim, estamos nesta fase horrível. Há vários casais de lésbicas tendo filhos, constituindo pequena ou grande família, como ficamos conhecendo algumas através de blogs. Enfim, a crise começou e, na pesquisa pela internet, encontrei este blog. Ainda não li tudo, mas pretendo conhecer mais o blog.
    Beijos e voltarei mais vezes aqui,
    A.!
    duasartistas@gmail.com

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