segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Quando os avós viram pais


Texto: Com a crise, avós espanhóis sofrem estresse por excesso de responsabilidade com netos

Autora: Anelise Infante

Cuidar dos netos pode ser um prazer, mas também um problema. Um relatório espanhol indica que, desde o início da crise econômica em 2009, o número de avós que passaram a cuidar dos netos para ajudar o bolso dos filhos aumentou 47%. E, com isso, subiu o nível de estresse entre os mais velhos.

Patologias como ansiedade e depressão foram detectadas por excesso de responsabilidades no estudo Avôs e avós para tudo - Percepções em relação à educação e cuidado dos netos, apresentado recentemente pela Fundação Obra Social Caixa Madri.

Diante dos cortes de gastos dos pais com creches, atividades extraescolares e babás, os avós viraram serviços de primeira necessidade. Assim, 50% dos maiores de 65 anos na Espanha cuidam de seus netos diariamente; 45% o fazem todas as semanas.

Essa responsabilidade quintuplicou em menos de uma década. Em 1993, apenas 9,5% dos avós tinham a tarefa de ocupar-se dos netos. Atualmente, duas em cada três famílias apelam para o que os sociólogos definem como "avós-pais" ou "avós-babás".

Em outros países, como a Grã Bretanha, uma de cada quatro famílias recorre aos avós para o cuidado das crianças.

O problema, segundo o informe, é que na Espanha "estão ocorrendo muitos casos de abusos".

'Angustiados'

Há avós que precisam eles mesmos de cuidados e que afirmam que se sentem "angustiados e utilizados por filhos que lhes delegam excessiva responsabilidade no cuidados dos netos".

"Por um lado, reivindicam seus direitos de serem avós, não educadores. Demandam que haja limites em relação as suas obrigações, porque existe um temor de interferir nas estratégias educativas dos pais. Não sabem se aplicam seus critérios ou os dos seus filhos", disse à BBC Brasil o coordenador da pesquisa e psiquiatra, Eusébio Megías.

"E, por outro, temem que depois de cuidar de filhos e netos durante toda a vida, ninguém se preocupe por cuidar deles, acrescentou ele."

"Por um lado, reivindicam seus direitos de serem avôs, não educadores. Demandam que haja limites em relação as suas obrigações, porque existe um temor de interferir nas estratégias educativas dos pais. Não sabem se aplicar seus critérios ou os dos seus filhos "

Eusébio Megías, coordenador da pesquisa e psiquiatra

Segundo as conclusões do relatório, os avós se sentem divididos entre o prazer de passar tempo com seus netos e os excessos de exigências de seus filhos nestas tarefas.

Nestas circunstâncias estão aumentando as consultas médicas por estresse, ansiedade e depressão, de acordo com as estatísticas da Sociedade Espanhola de Geriatria e Gerontologia (SEGG) feitas para o Ministério da Saúde.

Para a SEGG, "o fato de 50% dos maiores de 65 anos dedicarem em média seis horas por dia de maneira forçada ao cuidado dos netos, negligenciando suas próprias necessidades, está causando problemas nervosos, porque muitos avós se sentem sobrecarregados".

Cultura e expectativa de vida


Além da crise econômica, o aumento da expectativa de vida e a cultura de ajuda familiar também são fatores que colocam os avós espanhóis nesta nova realidade de educadores por imposição. As espanholas lideram os índices europeus de expectativa de vida, com 84,9 anos, sendo que a média continental é de 82,4; entre os homens espanhóis, 78,7 contra 76,4 anos de média na Europa) .

Ao contrário de vários países ocidentais europeus, 56% dos espanhóis acham que os parentes devem ser a primeira opção na hora de pedir apoio financeiro e ajuda com o cuidado de algum integrante da família.

A taxa cai para 20% na França, 32% na Alemanha e não chega aos 10% nos países escandinavos.

"(Isso ocorre) provavelmente porque nestas sociedades há mais ajuda social. A questão é que, na Espanha, os avós passam mais horas com os netos do que a média europeia. Aí se produz um desajuste", afirmou à BBC Brasil a investigadora Maria Teresa López.

Paulino Castells, autor de 'Queridos Abuelos', diz que, se avós 'fizessem greve, país entraria em colapso'

Professora de Economia Aplicada da Universidade Complutense de Madri e co-autora da pesquisa Dupla dependência: avós que cuidam de netos na Espanha, López disse que os idosos são os mais adequados para substituir os pais no cuidado de netos, mas com pré-condições.

"Precisam de agradecimento pelo esforço, que os filhos não abusem de suas possibilidades e que as pautas de atuação sejam negociadas, porque eles devem ter suas necessidades também atendidas e valorizadas."

O psiquiatra Paulino Castells, uma das maiores autoridades nacionais no assunto com 18 livros publicados, acredita que o papel dos avós nos tempos de crise é tão importante que, "se fizessem greve, o país entraria em colapso".

O psiquiatra e avô de três netos disse à BBC Brasil que "está havendo uma mudança hierárquica. Pais que procuram refúgios no lar da infância e se transformam em irmãos mais velhos de seus filhos. Isso é um erro".

Fonte da imagem: http://projectcyrano.blogspot.com/2011/05/avos.html
Fonte do texto: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/11/111125_espanha_avos_ai.shtml

3 comentários:

  1. Acho que algumas pessos confundem ajudar com carregar nas costas. Nao haveria problema se os avós ajudassem com os netos de vez em quando, numa situacao de apuro, numa emergência ou mesmo apenas para passar mais tempo com a crianca. Outra coisa muito diferente é eles assumirem toda a responsabilidade dos pais, seja qual for o motivo. Nao acho justo. Eles já criaram os próprios filhos, nao é obrigacao criar os dos outros. Sem contar que com a idade tudo se torna mais difícil e cansativo.
    Acho sinceramente que as pessoas deveria refletir mais sobre ter filhos. Se tem condicoes para isso, se podem enfrentar as adversidades pelo caminho e nao simplesmente te-los e delega-los a terceiros.

    Fran

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  2. No Brasil tal atitude não é tão diferente, especialmente em classes desfavorecidas economicamente. O idoso não é valorizado em culturas com uma ideologia patriarcal, infelizmente. Se o Estato promovesse ações eficazes, como abertura de creches e promovesse o acesso aos serviços de planejamento familiar, como também educação integral até os 17 anos, avançaríamos em muitas questões complexas em nossa sociedade, como a valorização da mulher, do idosos e da criança. Além disso, diminuiríamos a violência urbana que instaurou-se em nosso país de norte a sul.
    Uma sociedade em que há uma lei (9.263) em que só faz esterelização em homens e mulheres maiores de 25 anos,ou com, pelo menos, 2 filhos, não está ajudando em nada aos casais, ou a uma mulher solteira, ou um homem solteiro que não desejam paternar/maternar. Penso que muitos brasileiros não desejam ter filhos, pois não teríamos tantas crianças abandonadas, seja nas ruas, seja em orfanatos. Assim como não teríamos tantos lares desestruturados, predominando a violência doméstica, onde os que mais sofrem são as mulheres e as crianças.
    Enfim, Nicole, ainda teremos que avançar muito para mudar realidades como essas.
    Beijos.
    PS: estou gostando muito do blog!
    duasartistas@gmail.com

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  3. Uma dúvida: as escritoras aqui ao lado ( a maioria eu já li e tenho muitos livros delas. Delícia de lê-las!) não têm/tiveram filhos? Sei que Elizabeth Bishop desejava ser mãe. Mas naquele tempo não havia alternativa para mulheres lésbicas. Sei de muitas que tiveram crise por não maternar, como Virginia Woolf ( li ano passado seu diário), como não poderia deixar de ser, haja vista a imposição de todo um sistema sobre o conceito de família. Se hoje nos deparamos com tais crises, imagino no passado.
    Fiquei com esta dúvida.
    duasartistas@gmail.com

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