Por que publicar uma postagem sobre a humanização do parto em
um blog chamado Útero Vazio? Porque, como diz a minha avó, o buraco é mais
embaixo. A questão é mais ampla e mais complicada do que um simples: quero ter
filhos ou não quero ter filhos. E se não quero, que se dane quem quer. Trata-se
do conceito e da aceitação dos direitos humanos e, em especial, dos direitos
das mulheres. Trata-se do direito à escolha. Trata-se do respeito à escolha.
A nossa e a do próximo. Seja ela qual for.
Quem deseja não ter filhos e espera aceitação, deve também
aceitar que há quem os deseje e respeitar esta decisão. Trata-se de uma via de
mão dupla, de um acordo firmado em prol da civilização, da coabitação pacífica
entre mulheres com ou sem filhos, porque, afinal de contas, o mundo é de todas
nós.
Engravidar ou não é e sempre deverá ser um direito da mulher. Ainda que em
nosso país o direito de interromper uma gravidez indesejada lhe seja negado por
lei. Escolher como deseja parir um filho é um direito da mulher. Ainda que em
nosso país esse direito lhe seja negado pelas políticas adotadas em maternidades,
hospitais e clínicas, que se preocupam apenas em garantir o fluxo rápido, brutal
e lucrativo de algo que se parece mais com uma linha de produção de bebês do
que com o compromisso em garantir o bem-estar da mulher durante esta
experiência única que é o parto.
Além da questão da péssima qualidade, há também a doutrina
da quantidade, já que o sistema obstétrico brasileiro até nos diz quantos
filhos devemos parir antes de decidirmos que chegou a hora de não mais parir. Ligar
as trompas depois do primeiro parto? Nem pensar! O que significa que a mulher
não é vista como dona de seu próprio corpo. Não é tida como um indivíduo, com condições, desejos e limitações particulares
a serem levadas em conta quando ela deseja ter apenas um filho, parar no
segundo, no terceiro, ou ainda, não ter nenhum. Ela é vista com uma célula de
um exército de clones que deve desejar as mesmas coisas e agir da
mesma maneira. Sempre.
Dentre os tantos direitos que parecem ser apenas respeitados em ponta de lança,
quando a mulher ativa o seu módulo guerreira, esta o direito de parir em paz. Do primeiro e único, ou do primeiro ao segundo, ou
do primeiro ao décimo, ainda que uma mulher tenha mais de um filho, cada parto
será único, relevante e sempre lembrado. Portanto, cada parto deve garantir à
mulher a humanização que lhe é de direito, uma vez que humana ela é.
Um parto humanizado afasta as chances de traumas emocionais, psicológicos e
físicos, e de desapego em relação à criança que acaba de nascer. E todas as
mulheres, inclusive as que não desejam parir, devem lutar ou, pelo menos, estar
ciente da luta das mulheres pelo direito de parir seus próprios filhos com
dignidade. Pelo direito de parir seus filhos acordadas e lúcidas em vez de drogadas;
na condição de agentes ativos que testemunham e que são informadas sobre o que acontece e que possuem voz
para dizer se querem ou não ser cortadas ao meio, ou de cima pra baixo ou de
jeito nenhum; para dizer quando precisam descansar, quando desejam caminhar,
quando desejam sentar, mudar de posição, beber um copo d’água, ver o marido, a
mãe, os amigos; para berrar, chorar e espernear quando precisam e muitas outras
coisas que lhes são negadas e vetadas em prol da agilidade dos procedimentos
médicos atualmente adotados que não consideram as necessidades da mulher, da
mãe, e que tratam seu corpo como uma embalagem, uma cápsula que deve ser aberta
a golpes de bisturi e fechada logo em seguida para que haja tempo da equipe
médica repetir este processo dezenas de vezes por dia e garantir o lucro da
instituição onde trabalham.
Parto humanizado não é dizer como alguém vai parir, é simplesmente não dizer. É
permitir que o parto aconteça ao seu próprio tempo, ao tempo da mulher. É
reconhecer que se trata de uma experiência entre mãe e filho e que ambos devem
ser considerados e respeitados neste processo.
Nós
que não desejamos, não podemos ou ainda não decidimos se desejamos
parir, também temos mãe, irmã, prima, amiga. E podemos lutar para
garantir que o parto delas seja livre de qualquer tipo de violência.
Façamos a nossa parte.
Nicole Rodrigues
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