Para mim
está claro que não existe uma fórmula universal para a felicidade,
já que o que pode ser sinônimo de felicidade para você, pode não ser
para mim e vice-versa. Por isso, raramente acredito nesses estudos do
tipo: "o que torna as pessoas mais ou menos felizes", como se tudo se
encaixasse em questões de múltiplas escolhas, com respostas de uma
palavras ou uma linha. Porém, achei interessantíssimo a Revista IstoÉ ousar
discutir um dos maiores tabus de nossa sociedade: o de que filhos sempre
é sinônimo de felicidade para quem os tem.
Reportagem da Revista Época
Por que a discussão realista sobre os problemas da paternidade causa tanto desconforto – e como ela pode ensinar os casais a sofrer menos.
É 1 hora da madrugada. Um choro estridente desperta a ex-judoca olímpica Danielle Zangrando, de 33 anos. Desde que levou Lara do hospital para casa, as mamadas a cada três horas impedem o sono de antes. Ela pula da cama e oferece à filha o peito. Depois, troca a décima fralda daquele dia, embala a bebê no colo, caminha com ela em busca de uma posição que a faça parar de chorar. O choro prossegue. Daniele tenta bolsa de água quente e gotinhas de remédio. Nada de o berreiro cessar. Duas horas depois, mãe e filha formam um coro: Danielle também cai em prantos, desesperada. É a primeira cólica de Lara, com 20 dias de vida. O pai, Maurício Sanches, funcionário público de 48 anos, se sente impotente. Está frustrado e desconta a frustração na mulher: “Você comeu algo que fez mal a ela?”. A partir de então, Danielle se privará também do chocolate. Já desistira do sono, da liberdade, do trabalho como comentarista de esporte. Na manhã seguinte, ainda exausta da maratona noturna, retomará a mesma rotina, logo cedo: amamentar, dar banho, trocar fralda, botar para dormir. “Ninguém sabe de verdade como é esse universo até entrar nele”, diz Danielle. Hoje, Lara está com 2 anos. As noites não são tão duras quanto costumavam ser. Mas Danielle e Sanches ainda dizem que ter filhos é uma missão muito mais difícil do que eles haviam imaginado.Aqui você pode ler alguns perfis de famílias que contribuíram para a reportagem.
Eis um problema: a paternidade, que deveria ser o momento mais feliz da vida dos casais – de acordo com tudo o que aprendemos –, na verdade nem sempre é assim. Ou, melhor dizendo, não é nada disso. Para boa parte dos pais e (sobretudo) das mães, filhos pequenos são sinônimo de cansaço, estresse, isolamento social e – não tenhamos medo das palavras – um certo grau de infelicidade. Ninguém fala disso abertamente. É feio. As pessoas têm medo de se queixar e parecer desnaturadas. O máximo que se ouve são referências ambíguas e cheias de altruísmo aos percalços da maternidade, como no chavão: “Ser mãe é padecer no Paraíso”. Muitas que passaram pelo padecimento não se lembram de ter visto o Paraíso e, mesmo assim, realimentam a mística. Costumam falar apenas do amor incondicional que nasce com os filhos e das alegrias únicas que se podem extrair do convívio com eles. A depressão, as rachaduras na intimidade do casal, as dificuldades com a carreira e o dinheiro curto – disso não se fala fora do círculo mais íntimo e, mesmo nele, se fala com cuidado. É tabu expor a própria tristeza numa situação que deveria ser idílica.
A boa notícia para os pais espremidos entre a insatisfação e a impossibilidade de discuti-la é que começa a surgir um movimento que defende uma visão mais realista sobre os impacto dos filhos na vida dos casais. Seus adeptos ainda não marcham nas ruas com cartazes contra a hipocrisia da maternidade como um conto de fadas. Mas exigem, ao menos, o direito de falar publicamente e com franqueza sobre as dificuldades da situação, sem ser julgados como maus pais ou más mães por se atrever a desabafar. Por meio de livros e, sobretudo, com a ajuda da internet, eles começam a falar claramente sobre os momentos de angústia, tédio e frustração que costumam acompanhar a criação dos filhos. Nas palavras da americana Selena Giampa, uma bibliotecária de 35 anos, dona do blog Because Motherhood Sucks (A maternidade enche...), “a maternidade está cheia de momentos de pura felicidade e amor. Mas tudo o que acontece entre esses momentos é horrível. Amo ser mãe, de verdade. Mas tenho de dizer a vocês que, assim como qualquer outro emprego, muitas vezes eu tenho vontade de pedir as contas”. Com uma notável diferença: ninguém pode se demitir do emprego de mãe ou de pai. Ele é vitalício.
O melhor exemplo dessa nova maternidade é o livro Why have kids (Por que ter filhos), sem previsão de lançamento no Brasil, escrito pela jornalista americana Jessica Valenti, de 34 anos. Durante a gravidez de sua primeira e única filha, Jessica teve um aumento perigoso de pressão arterial. Layla nasceu prematura, pesando menos de 1 quilo. Passou oito semanas na incubadora do hospital. Ao longo dos 56 dias em que viu a filha sofrer dezenas de procedimentos invasivos, Jessica refletiu sobre como idealizara a experiência de ser mãe. Seu livro parte daí para criticar a cobrança pela maternidade perfeita, uma espécie de pano de fundo imaginário contra o qual as mães de verdade comparam suas imensas dificuldades e seus inconfessáveis sentimentos negativos. “Não falar sobre a parte ruim da maternidade só aumenta o drama dos pais e as expectativas irrealistas de quem ainda não é”, disse Jessica a ÉPOCA.
Compartilhar abertamente as agruras pode funcionar como válvula de escape. As amigas Trisha Ashworth e Amy Noble, também americanas, dividiram muitas angústias por telefone antes de escrever o livro Eu era uma ótima mãe até ter filhos, lançado no Brasil pela editora Sextante. Com bom humor, elas fazem reflexões do tipo: “Sou uma mãe de quinta categoria por ter gritado com uma criança de 4 anos depois de ela se levantar 12 vezes numa noite?”. Assim como elas, há muita gente produzindo conteúdo crítico para desconstruir a maternidade como um perfeito comercial de margarina – inclusive no Brasil. Os textos ácidos do blog Ombudsmãe, cujo nome faz trocadilho com o profissional contratado para criticar a empresa em que trabalha, são um exemplo. “Duro mesmo é quando surge um chato na forma de filho”, diz um desses textos. “Há os que obrigam os pais a usar cinto de segurança. Os que choram diante do leitãozinho assado. Os que cheiram o hálito da mãe, tornando-se legítimos representantes da patrulha antifumo instalados dentro da nossa própria residência.” Outro é o site Mamatraca, que publica diariamente vídeos que lidam com os paradoxos da maternidade de um jeito sincero e divertido. Uma das colaboradoras escreveu em seu perfil: “Adora Madona, embora ultimamente só escute Backyardigans”.
O movimento de tirar do armário a infelicidade dos pais encontra amparo no meio acadêmico. Pesquisa atrás de pesquisa corrobora a percepção de que ter filhos pode piorar a vida das pessoas. As conclusões dos estudos sugerem que os pais comem pior, exercitam-se menos, sofrem um tremendo prejuízo financeiro e são mais insatisfeitos com seus parceiros no casamento (leia o quadro abaixo). Um estudo do sociólogo Robin Simon, da Universidade de Wake Forest, nos Estados Unidos, sugere até mesmo que pais são mais depressivos do que as pessoas que não têm filhos – uma conclusão que contraria o senso comum a respeito desse assunto. Na tentativa de mudar esse cenário pessimista, a publicação científica Journal of Happiness Studies chamou a atenção ao encontrar um estudo provando exatamente o contrário – que filhos trazem felicidade. Meses depois, veio o desmentido: os autores tinham se enganado nos cálculos e a nova conclusão era que “ter filhos tem um pequeno efeito no nível de satisfação das pessoas, frequentemente negativo”.
Fonte: Revista Época, 29 de outubro de 2012
Autoras: Nathalia Ziemkiewicz, com Flávia Yuri