Não quer filhos? Como assim?
Em uma sociedade em que o normal aceitável ainda é casar e ter
filhos, não desejá-los pode trazer alguns incômodos. Muitas vezes, mais
difícil do que tomar a decisão é explicar para a família e os amigos
que, sim, é possível ser feliz sem a maternidade. As mulheres ouvidas
para esta reportagem e todas as outras com quem se conversou sobre o
assunto são unânimes em afirmar que já foram questionadas, pressionadas e
até mesmo constrangidas com perguntas e afirmações do tipo:
- Você diz isso agora porque não tem filhos. Quando tiver, vai pensar diferente.
- Que horror, não diz isso!
- Se teu marido não tiver filho contigo, vai ter com outra.
- Não vais saber o que é o amor até seres mãe.
- Isso é egoísmo da tua parte.
- Que vida triste tu vais ter!
- Só serás mulher de verdade quando tiveres um filho.
Diante da patrulha, muitas mulheres desenvolvem mecanismos para
driblar as situações desconfortáveis. A psicóloga Fabiane Machado, por
exemplo, responde que é estéril aos que a interpelam com insistência.
Ocorre que ela nunca sequer tentou engravidar. Explicar sempre a mesma
coisa, no entanto, já não é mais tolerável. Então, simplesmente inventa
uma história mais constrangedora que a pergunta. E assim se livra dos
inconvenientes interrogatórios sobre sua intimidade.
A necessidade de uma explicação para não desejar a maternidade tem
raízes culturais. Um estudo coordenado pela socióloga britânica
Katherine Hakim chamado Childless in Europe revela que, antes do
aparecimento dos anticoncepcionais e da revolução sexual dos anos 1960,
as mulheres não tinham filhos por causa da pobreza ou das guerras. Não
tê-los era sinônimo de desgraça, miséria ou algum tipo de castigo divino
que as fez inférteis. Hoje, ao contrário, cerca de 20% das européias
não são mães - e somente 2% ou 3% delas não o são por infertilidade.
O mito da mãe que padece no paraíso e a aura de sublimação em torno
da maternidade também ajudam a explicar o estranhamento que a decisão de
não procriar ainda provoca. Mas até isso está em transformação. Parir e
criar filhos já não é sinônimo de indiscutível felicidade graças a
relatos de pais e mães dispostos a desvelar as faces nada divertidas de
se ter filhos, sem idealização, sem romantismos. Uma das primeiras a
tirar o véu que encobre os problemas da maternidade foi a bibliotecária
americana Selena Giampa, que criou o blog Because Motherhood Sucks (Por
que a maternidade enche o saco, em livre tradução). Ela afirma que adora
ser mãe e que tem momentos de intensa felicidade. O problema é que,
entre um desses momentos e outro, tudo que ocorre é desgastante e chato.
Relatos como o dela abrem caminho para que outros pais e mães sintam-se
menos culpados ao admitir que a função não é só alegria e que requer,
sim, altas doses de paciência, renúncia e esforço. E que está permitido
recusar-se a enfrentar tamanho desafio.
Algumas celebridades, que já manifestaram publicamente a decisão de
não ter filhos, também ajudam as mulheres comuns sem instinto materno a
sentirem-se menos extraterrestres. As atrizes Cameron Diaz, Helen
Mirren, Oprah Winfrey, Renee Zellweger e a brasileira Totia Meirelles
são algumas das que já declararam que fihos não têm espaço em suas
vidas. E que são bem felizes desse jeito.
Fonte: Jornal Zero Hora
Reportagem: Patricia LimaFoto: Carlos Macedo / Agencia RBS
Fotos: Adriana Franciosi
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