segunda-feira, 11 de julho de 2011

Guardiãs



Esse blog significa muito para mim. E é assim porque aqui, no útero vazio, eu exploro toda a curiosidade e vulnerabilidade que a questão da maternidade desperta em mim. Há um medo enorme e uma vontade pungente de descobrir como chegamos onde chegamos. Como nos tornamos o que nos tornamos: galinhas chocadeiras, vacas leiteiras, coelhas com mais filhos do que vontade de viver, ou o que pode ser ainda pior, coelhas sem filhos e que não sabem como viver num mundo de coelhas parideiras.
Muitas de nós são felizes assim, reproduzindo em ciclos, outras são tão infelizes que a loucura toma conta e coisas terríveis acontecem. Filhos torturados, espancados, assassinados, ou psicologicamente massacrados pela confusão, desespero, despreparo ou descaso dos pais.

É claro que há quem os queira, quem deles cuide muito bem e quem os ame infinitamente. Mas o problema nasce quando o primeiro caso, o querer, passa a ser tido como uma condição natural e universal a ser aplicada a todas as coelhas do mundo, e até, pasmo, a ser chamada de lei da natureza: “Coelha é assim, nasce, reproduz e morre. É a vida.”

De fato esta é a vida delas. Das coelhas que não podem refletir, não podem questionar, e muito provavelmente não podem escolher. Mas nós não somos coelhas. E muitas de nós parecem se surpreender ao se darem conta disso. Pelo simples fato de que muito se aceita sem reflexão, sem questionamento e, principalmente, em função da pouca valorização e prática do auto-conhecimento. Nós não somos ensinadas a pensarmos por nós mesmas, não somos estimuladas a compreendermos e alimentarmos desejos e inclinações individuais. Nós seguimos o fluxo como um rebanho de bezerras em fila indiana. Sem perguntarmos às outras e a nós mesmas para onde estamos indo e se este é o caminho que gostaríamos de seguir. E quando isso acontece o nome muda, aceitação passa a ser chamada de imposição. E filho não deveria ser sinônimo de imposição. Parir ou até mesmo adotar é, e deve ser sempre, uma opção. Sempre, sempre e sempre, sem exceção.

Quem teve filhos que os ame, e quem não os teve que se permita ser amado pelo próximo, ainda que esse amor tenha que ser conquistado à força, depois de muita luta e muito protesto para que mulheres sem filhos sejam tão valorizadas quanto as que os têm. E que essa luta também se estenda às mulheres que os têm, para que o peso da maternidade seja menor para elas, e que elas aprendam a amar suas crias sem deixar de amar a si mesmas. Porque não pode haver um sem o outro. Um filho deveria ser uma extensão da vida, e não a condição, a razão, o único motivo para se viver. O querer viver bem é importante para que as mães se permitam viver uma vida boa e plena e ele poder servir de exemplo para o outro, seja ele o filho ou o próximo. Este querer sim deveria ser cobrado, almejado, praticado, espalhado, ensinado, estimulado, multiplicado. Mas não o é.

E nós bem sabemos que viver bem é bicho complicado. Bem mais complicado do que ser coelha. Mas eu gosto de pensar que um bom começo é aceitar que a natureza só é bela porque é diversa. E que a diversidade é uma dádiva, um tesouro que deve ser aceito e, acima de tudo, protegido. Então cabe a nós, e não às coelhas, nos tornamos guardiãs da liberdade de escolha em relação à maternidade. Para que possamos viver em harmonia, com ou sem filhos, na selva em que esse mundo se tornou.

Nicole Rodrigues


2 comentários:

  1. Também me pergunto como aqui chegamos!? Quem inventou a obrigacao da maternidade num tempo em que podemos perfeitamente controlar (e de maneira segura) a fertilidade? Como pode uma coisa ser realmente boa e bonita se ela vem acompanhada de coercao?

    Fran

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  2. Que chegue o tempo das mulheres não terem filhos pra depois maltratá-los ou abandoná-los nas ruas.

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