sábado, 12 de novembro de 2011

Qual o sentido da maternidade, para as maternidades?

A maternidade traz consigo tanta bagagem. Tantos desafios físicos, psicológicos, emocionais e financeiros que é absurdo submeter as mulheres grávidas ao desafio do (des)atendimento médico em pleno dia de parto. Será que já não chega o medo, a ansiedade, o nervosismo, a expectativa e o desconforto que naturalmente serão sentidos nesse dia e nos 9 meses que o antecederam? Para quê infligir mais dor a quem se encontra em uma situação tão vulnerável e potencialmente perigosa? Que enfermeiras e médicas são essas que dão às costas à ética e à essência da profissão que escolheram e usam as ferramentas de alívio e cura para ampliar o sofrimento de mulheres que contam com elas em um dia tão importante?

É nossa obrigação denunciar todo e qualquer destrato sofrido por nossas irmãs, primas, sobrinhas, tias, mães, filhas e amigas. É nosso dever cuidarmos uma das outras. É nossa responsabilidade não fechar os olhos para o sofrimento alheio. E com isso, querida uterinas, só temos a ganhar. Por que se não cuidarmos umas das outras, quem cuidará?



Texto: Qual o sentido da maternidade, para as maternidades?
Autora: Rosana Antonio

Foi a primeira pergunta que me fiz ao entrar na Maternidade Alfredo da Costa(MAC) no dia 05 de Junho de 2009.

Minha bolsa rompeu em casa mais ou menos às 20h do dia 05 de Junho. Uns trinta minutos depois cheguei na MAC, onde fui atendida pela enfermeira de plantão.

Eu tinha sonhado com esse dia, esperava algo do tipo: “Olá, então chegou a sua hora?” Mas na verdade fui recebida com um: “Dispa-se e deite-se.”
Pediu também as minhas análises e com elas ficou se abanando como se estivesse na menopausa. Em seguida perguntou: “O pai do bebé é conhecido?” Pensei: “Pra quem?” Mas respondi: “Sim.” Ela continuou as perguntas... “É branco?” Eu, sem entender disse: “Como?” Ela continuou... “É branco?, cigano?, indiano? africano?” Respondi: “Branco.”

Na mesma sala, entrou uma colega fazendo um comentário xenófobo sobre uma mulher negra que tinha acabado de sair dali:

“E agora, o que ela fez com a escurinha?” A Sª Enfermeira que me atendeu lançou mais um comentário xenófobo: “Sabe-se lá, parece que foi falar com ela. Esta ai é mesmo a boa samaritana.” As duas enfermeiras protestavam a gentileza e a amabilidade da recepcionista com as grávidas naquele dia.

A colega continuou ali falando com a enfermeira que estava me atendendo. Esta quando me viu despida veio em minha direcção e fez um toque violento.

Quando ela terminou, desceram uns dois litros de água pelo chão. Ela disse-me: “O filha, respira para parede, não tenho eu que levar com isso. Levanta-te e comece a caminhar até chamarem-na para o quarto.” Em seguida, gritou: “Auxiliare, venha limpar mais uma porcaria”. Eu achei tudo muito macabro, mas a Leticia estava chegando e eu estava feliz.

Uns 20 minutos depois chamaram-me para o quarto 6. Minha mãe chegou meia-hora depois, o que me deixou muito mais tranquila. Estivemos ali, ela a consolar-me pelos toques que faziam de hora em hora, mas nenhum deles, foi como o da Srª Enfermeira que me recebeu. Eu a perder água sem parar, e nada de dilatação, mas tinha um consolo, duas enfermeiras que pareciam não fazer parte da equipa da maternidade.

Amélia e Sónia, foram super gentis. Chegavam, faziam um toque normal e diziam: “Vamos Rosana, queremos fazer o seu parto, e será aqui neste quarto que a Leticia vai nascer.”

No dia seguinte, iniciaram a prática para induzir as tais contracções. Elas começaram logo, mas a dilatação era lenta. Avisavam-me sempre dos centímetros que aumentavam e ao quinto ou sexto chegou a médica para fazer a epidural. Por cinco minutos não senti mais as dores. Bom demais para ser verdade. Pois é. Em seguida, comecei a sentir uma dor fortíssima do lado direito mesmo no “pé da barriga”. Depois de sentir a tal dor mais umas duas horas, volta a anestesista. Esta, se apercebeu que tinha ficado uma “janela aberta”. Foi esta a sua expressão. E mais: que não poderia mais mexer na minha coluna. Bem, fiquei ali com esta tal “janela aberta” que mais parecia “a porta do inferno”.

Aos 10 cm de dilatação e quase 24 horas de trabalho de parto, entra a Drª Graça e uma grande equipa, a mesma que passava por lá a cada hora para fazer o toque. Depois de muito tempo ela percebeu que o parto não poderia ser normal. Então começou a falar com a equipa sobre um parto a “ventosa”. Perguntei o que era o parto a ventosa, ela não quis dar nenhuma explicação dizendo que sabia o que estava fazendo.

Minha mãe insistiu, dizendo que precisava avisar ao pai da criança. Naquele momento, Drª Graça pediu que acompanhassem minha mãe a recepção e que me levassem para a sala operatória. No elevador, escutei os comentários e a ira da Drª Graça, que dizia: “Como assim, avisar o pai da criança? Se quisessem explicações médicas, deveriam ter ido para uma clínica privada. Sei eu o que eu faço, não devo dar explicações.”

Achei o comentário desprezível, ainda mais tratando-se da “melhor maternidade do país”.
Eu, tentando ser simpática, em meio as tantas dores e preocupada com o humor da Drª Graça, que iria fazer o meu parto, disse: “Srª Drª Graça, minha mãe teve uma péssima experiência com o método forceps, é só isso. E o que ela pretendia era perceber que processo é este que vão usar comigo.” Ela não deu respostas.

Entramos na sala e a mesma anestesista me fez mais uma dose no cateter. No mesmo instante, a Drª Graça começou a discutir com a colega se fazia a ventosa ou a cesariana. Uma dizia para fazer a cesariana, outra dizia que já não dava mais e que fizessem logo a ventosa. Eu, em pânico, disse: “Mas me parece que vocês não estão de acordo.” Esta minha frase deixou a Drª Graça e a anestesista furiosas. Esta última disse que não ficava mais ali e realmente, fez a sua dose e foi embora. E a Drª Graça disse que a vontade que tinha, era de não fazer o parto. Ficaram discutindo o tempo todo. A Drª Graça se sentia ofendida e não conseguia esconder, perdeu mais uma vez o controle e, quando retirou a Leticia, disse: “Berra Leticia, se não a sua mãe vai fazer queixas de nós.”

Olhei para minha filhinha tão linda e indefesa e pensei: “Meu Deus, como pode uma médica dizer a uma criança para berrar.” Vivi em quatro países antes de Portugal, e em nenhum deles as crianças berram. Esta expressão é usada para referir-se aos animais. Mas parece que, para a Drª Graça, é também usada para as crianças, em Portugal.

Em silêncio, pedi desculpas para minha filhinha, que ela aguentasse firme e que muito em breve, sairíamos daquele lugar macabro.

Depois de retirarem a Leticia, se depararam com mais um problema, a placenta não se descolava. Em meio a tanta perda de sangue comecei a ter uma crise cianótica, mas me mantive lúcida e acordada, escutando o chorinho da minha filha. A Drª Graça tentava arrancar a placenta com toda sua força e com as unhas encravadas em minha barriga. A cada minuto perguntava se me fazia mal e eu sempre dizia que sentia as suas unhas. Aguentei ainda uns 30 minutos, que me pareceram longos, para a retirada da placenta. A Drª Graça jogou a placenta em cima de uma mesa ao meu lado. Fiquei com uma sensação estranhíssima, como a de estar fazendo parte de um abate de vacas, já que a própria Drª Graça pediu que minha Leticia berrasse.

Terminando sua função, a Drª Graça pediu a sua auxiliar que me fizesse os pontos. Para a minha sorte, vi um rosto conhecido. Tratava-se da Drª Rita. Era uma jovem médica que dias antes tinha me atendido na primeira consulta na MAC. Ela também me reconheceu e, diferente da Drª Graça, ela fez seu trabalho em silêncio e, quando terminou me disse: “Rosana, ficou muito bom. Você vai ficar bem logo. Muitas felicidades!”

Em meio aos tantos demónios existem sempre alguns anjos. Ainda bem!

Minhas visitas mensais na gravidez foram acompanhadas pela Drª Ilda Dias, a Enfermeira Cidália e toda a equipa de trabalho do posto de saúde de São João, extensão Júlia Moreira.

Foi uma escolha minha e do meu marido, optar pelo sistema público, depois de conhecer o profissionalismo daquela inteira equipa. Elas tinham nos cativado de uma certa maneira, que cheguei a dar uma entrevista para um telejornal sobre a qualidade dos serviços públicos de saúde em Portugal. Eis o porque da minha surpresa na MAC, considerada essa, a melhor maternidade do país.

Eu, em meio a discussão, desequilíbrio e falta de postura da Drª Graça, que de graça tem pouco, cheguei a repetir isso: “Estou aqui não somente por ser um sistema público, mas porque a MAC é conhecida como a melhor maternidade do país.” Pois é. Se é assim. Como será a pior? E, para já, deixo-vos mais uma pergunta: Qual o sentido da maternidade para as maternidades???

O artigo da jornalista Rosana Antonio foi publicado parcialmente, na Revista “O Brasileirinho”, Revista Pais e Filhos (Portugal). Em Alguns jornais e revistas brasileirias em diferentes estados. E integralmente, no Quaderno Maternus (Itália). Após a sua denúncia, outras cinco mulheres manifestaram terem sido mal tratadas em hospitais e maternidades portuguesas. Denuncie você também!

Fonte do texto: http://quadernomaternus.blogspot.com/
Foto: http://olhares.aeiou.pt/reportagem_maternidade__18_foto158111.html?nav1

9 comentários:

  1. Eu sincenceramente nao entendo o sadismo de certos "profissionais" de saúde. Esse assunto me revolta tanto que eu nao vou mais além - nao consigo encontrar um adjetivo que nao seja de baixo calao para definir gente que comete esse tipo de violência...

    Fran

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  2. É pena que ninguém a leia minha "senhora". Sabe o que este "post" merecia? Um processo em tribunal. Que chorrilho de mentiras.

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  3. Sr. Lúcio eu sequer o conheço, mas ainda assim teimo em acreditar que esse seu comentário veio parar no blog errado e no post errado por algum erro de usuário inexperiente, já que ele não faz o menor sentido!

    O texto acima foi escrito por uma jornalista portuguesa (cujo nome foi devidamente citado) e publicado em meios de comunicação de diversos países. O senhor poderia fazer a gentileza de esclarecer que parte dele constitui uma mentira ou razão para processo? O senhor já engravidou e pariu, por acaso? O senhor já foi atendido em uma maternidade? O senhor lê os jornais? O seu perfil diz que o senhor é um engenheiro agrônomo, será que o senhor acha que mulher e vaca é tudo a mesma coisa? Caso contrário, o que haveria de errado em um post que narra um traumático atendimento em pleno dia de parto e que clama por mais denúncias?

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  4. Apesar de ter meu filho no Brasil, foi pelo SUS e ainda guardorecordações dolorosas. O médico bruto, com pouca paciência realizou minha cesariana e por ser uma experiência desconhecida pra mim, chorei de medo. Sorte que meu filho veio ao mundo com saúde, mas eu tive infecção hospitalar e permaneci naquela maternidade a eternidade de 20 dias com aquele medico fazendo curativos que doia até minha alma. Hoje tenho trauma de parto, mas amo meu filho!

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  5. Lendo esse texto temos vontade de chorar, chorar muito e lamentar que as mulheres sejam, ainda hoje, tratadas de modo tão violento e com tanto desprezo.

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  6. Este texto me fez chorar...Chorei enquanto lia, pois ainda, infelizmente, há "profissionais" que estudaram para a profissão errada. Eu tenho um certo olhar negativo para Portugal ( pelos contatos que tive e tenho com portugueses: como minha cunhada, uma mulher difícil de lidar e cheia de preconceitos de classe e etnia, principalmente a negra. Ela morou aqui no Brasil e casou com um brasileiro, mas tão logo, voltou para o seu país, educando meus 2 sobrinhos sob o olhar reacionário dos portugueses: eles, mesmo criancinhas, sofreram preconceito na escola por serem brasileiros. E, claro, eles têm muito da cultura portuguesa, infelizmente. E lendo este post, percebo que a grosseria é mesmo latente neste povo. Sorry aos portugueses que não são assim!). Aqui no Brasil a coisa não é muito diferente, pois minha irmã recebeu comentários negativos quando teve a primeira filha. Minha vontade na época era ter ido ao hospital e dar uns bons conselhos ao médico que fez o parto dela. Por conta disso, a outra filha nasceu em hospital privado. É justo? É justo pagarmos impostos altíssimos para nossas irmãs terem um péssimo atendimento numa hora tão delicada? E o pior é que em vários países a cena repete-se. E apenas culpo a mentalidade falocêntrica, pois se fosse um homem parindo, o parto seria muito diferente, a começar pelas escolhas das palavras por parte dos "profissionais".
    É triste a realidade das mulheres!
    E, Nicole, assino embaixo a sua resposta ao tal Lúcio Ferro.
    Beijos,
    A!

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  7. Quando tive meu filho não foi em uma maternidade de minha escolha, mas a única que o convênio cobria. Felizmente meu obstetra, Dr. Roberto M. Kato (vamos dar nome aos bons profissionais) era um anjo e fez tudo muito rápido e com tranquilidade, o assistente que fez os pontos também foi excelente. Meu problema começou após o parto. A tal maternidade parecia mais uma fábrica de bebês (e todos por cesárea que dá mais dinheiro), poucas enfermeiras, rudes, estúpidas; as do turno da noite queriam mais saber de dormir sobre a mesa do que me auxiliar com a amamentação e nem pediatra de plantão tinha naquele lugar (O pediatra não desceu em nenhum momento ao nosso quarto para falar conosco). Eu, mãe de primeira viagem, com o bico do peito invertido, o colostro demorando a descer, tinha que contar apenas com a ajuda da colega de quarto, mais experiente, para tentar amamentar meu bebê que berrava de fome (quando finalmente me desesperei e pedi que a colega amamentasse meu filho, tomamos bronca das enfermeiras). Depois dos 3 dias de internação ainda me deram a notícia de que teria que ficar mais um para dar banho de luz no meu filho por causa da icterícia. Fizeram um alarde, a enfermeira ainda disse que se eu não fizesse "ele não iria durar". Sim, usou essas palavras, mas tirando a ignorância da frase, eu não me assustei, pois sempre soube que icterícia é normal em recém-nascidos e que um banho de sol na laje de casa resolve o problema (Mas o sol é de graça e não dá dinheiro para os hospitais), mas vi mães, também inexperientes, chorando pelos corredores ao ouvirem que se não permanecessem internadas os bebês delas morreriam.
    Li recentemente que querem proibir o parto humanizado feito em casa por motivos de "segurança", mas não fazem nada a respeito da formação de profissionais humanos para trabalharem nas maternidades do país e que transformam um momento importante na vida de muitas mulheres em um verdadeiro pesadelo.

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    1. Que bom ouvir sua história Marcela, ainda que ela desperte tristeza pela maneira desumana com quem foi tratada após o seu parto. O bom é por saber que apenas compartilhando informações, histórias e casos poderemos fazer com que essas questão saia dos quartos e corredores de hospital e ganhe o mundo. Toda mudança começa com conhecimento e conscietização. Enquanto as pessoas continuarem a achar que não acontece e que se acontece é um caso isolado, a violência obstétrica continuará a existir.
      Parabéns pela coragem e força de contar sua história e obrigada por compartilhá-la conosco.

      Um abraço,

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  8. Essa história parece de terror, e as enfermeiras e médicos são os monstros. Meu Deus, eles tratam as pobres mães como verdadeiros animais. Eu fiquei até com medo de ler o post todo imaginando o pior. Eu não tinha idéia que esse tipo de coisa acontecesse nas maternidades, e acredito que deva acontecer tanto em públicos quanto particulares. Gente ruim tem em qualquer lugar.

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