domingo, 14 de julho de 2013

Ter filhos traz mesmo felicidade?

Para mim está claro que não existe uma fórmula universal para a felicidade, já que o que pode ser sinônimo de felicidade para você, pode não ser para mim e vice-versa. Por isso, raramente acredito nesses estudos do tipo: "o que torna as pessoas mais ou menos felizes", como se tudo se encaixasse em questões de múltiplas escolhas, com respostas de uma palavras ou uma linha. Porém, achei interessantíssimo a Revista IstoÉ ousar discutir um dos maiores tabus de nossa sociedade: o de que filhos sempre é sinônimo de felicidade para quem os tem.


Reportagem da Revista Época
Por que a discussão realista sobre os problemas da paternidade causa tanto desconforto – e como ela pode ensinar os casais a sofrer menos.
É 1 hora da madrugada. Um choro estridente desperta a ex-judoca olímpica Danielle Zangrando, de 33 anos. Desde que levou Lara do hospital para casa, as mamadas a cada três horas impedem o sono de antes. Ela pula da cama e oferece à filha o peito. Depois, troca a décima fralda daquele dia, embala a bebê no colo, caminha com ela em busca de uma posição que a faça parar de chorar. O choro prossegue. Daniele tenta bolsa de água quente e gotinhas de remédio. Nada de o berreiro cessar. Duas horas depois, mãe e filha formam um coro: Danielle também cai em prantos, desesperada. É a primeira cólica de Lara, com 20 dias de vida. O pai, Maurício Sanches, funcionário público de 48 anos, se sente impotente. Está frustrado e desconta a frustração na mulher: “Você comeu algo que fez mal a ela?”. A partir de então, Danielle se privará também do chocolate. Já desistira do sono, da liberdade, do trabalho como comentarista de esporte. Na manhã seguinte, ainda exausta da maratona noturna, retomará a mesma rotina, logo cedo: amamentar, dar banho, trocar fralda, botar para dormir. “Ninguém sabe de verdade como é esse universo até entrar nele”, diz Danielle. Hoje, Lara está com 2 anos. As noites não são tão duras quanto costumavam ser. Mas Danielle e Sanches ainda dizem que ter filhos é uma missão muito mais difícil do que eles haviam imaginado.

Eis um problema: a paternidade, que deveria ser o momento mais feliz da vida dos casais – de acordo com tudo o que aprendemos –, na verdade nem sempre é assim. Ou, melhor dizendo, não é nada disso. Para boa parte dos pais e (sobretudo) das mães, filhos pequenos são sinônimo de cansaço, estresse, isolamento social e – não tenhamos medo das palavras – um certo grau de infelicidade. Ninguém fala disso abertamente. É feio. As pessoas têm medo de se queixar e parecer desnaturadas. O máximo que se ouve são referências ambíguas e cheias de altruísmo aos percalços da maternidade, como no chavão: “Ser mãe é padecer no Paraíso”. Muitas que passaram pelo padecimento não se lembram de ter visto o Paraíso e, mesmo assim, realimentam a mística. Costumam falar apenas do amor incondicional que nasce com os filhos e das alegrias únicas que se podem extrair do convívio com eles. A depressão, as rachaduras na intimidade do casal, as dificuldades com a carreira e o dinheiro curto – disso não se fala fora do círculo mais íntimo e, mesmo nele, se fala com cuidado. É tabu expor a própria tristeza numa situação que deveria ser idílica.

A boa notícia para os pais espremidos entre a insatisfação e a impossibilidade de discuti-la é que começa a surgir um movimento que defende uma visão mais realista sobre os impacto dos filhos na vida dos casais. Seus adeptos ainda não marcham nas ruas com cartazes contra a hipocrisia da maternidade como um conto de fadas. Mas exigem, ao menos, o direito de falar publicamente e com franqueza sobre as dificuldades da situação, sem ser julgados como maus pais ou más mães por se atrever a desabafar. Por meio de livros e, sobretudo, com a ajuda da internet, eles começam a falar claramente sobre os momentos de angústia, tédio e frustração que costumam acompanhar a criação dos filhos. Nas palavras da americana Selena Giampa, uma bibliotecária de 35 anos, dona do blog Because Motherhood Sucks (A maternidade enche...), “a maternidade está cheia de momentos de pura felicidade e amor. Mas tudo o que acontece entre esses momentos é horrível. Amo ser mãe, de verdade. Mas tenho de dizer a vocês que, assim como qualquer outro emprego, muitas vezes eu tenho vontade de pedir as contas”. Com uma notável diferença: ninguém pode se demitir do emprego de mãe ou de pai. Ele é vitalício.

O melhor exemplo dessa nova maternidade é o livro Why have kids (Por que ter filhos), sem previsão de lançamento no Brasil, escrito pela jornalista americana Jessica Valenti, de 34 anos. Durante a gravidez de sua primeira e única filha, Jessica teve um aumento perigoso de pressão arterial. Layla nasceu prematura, pesando menos de 1 quilo. Passou oito semanas na incubadora do hospital. Ao longo dos 56 dias em que viu a filha sofrer dezenas de procedimentos invasivos, Jessica refletiu sobre como idealizara a experiência de ser mãe. Seu livro parte daí para criticar a cobrança pela maternidade perfeita, uma espécie de pano de fundo imaginário contra o qual as mães de verdade comparam suas imensas dificuldades e seus inconfessáveis sentimentos negativos. “Não falar sobre a parte ruim da maternidade só aumenta o drama dos pais e as expectativas irrealistas de quem ainda não é”, disse Jessica a ÉPOCA.

Compartilhar abertamente as agruras pode funcionar como válvula de escape. As amigas Trisha Ashworth e Amy Noble, também americanas, dividiram muitas angústias por telefone antes de escrever o livro Eu era uma ótima mãe até ter filhos, lançado no Brasil pela editora Sextante. Com bom humor, elas fazem reflexões do tipo: “Sou uma mãe de quinta categoria por ter gritado com uma criança de 4 anos depois de ela se levantar 12 vezes numa noite?”. Assim como elas, há muita gente produzindo conteúdo crítico para desconstruir a maternidade como um perfeito comercial de margarina – inclusive no Brasil. Os textos ácidos do blog Ombudsmãe, cujo nome faz trocadilho com o profissional contratado para criticar a empresa em que trabalha, são um exemplo. “Duro mesmo é quando surge um chato na forma de filho”, diz um desses textos. “Há os que obrigam os pais a usar cinto de segurança. Os que choram diante do leitãozinho assado. Os que cheiram o hálito da mãe, tornando-se legítimos representantes da patrulha antifumo instalados dentro da nossa própria residência.” Outro é o site Mamatraca, que publica diariamente vídeos que lidam com os paradoxos da maternidade de um jeito sincero e divertido. Uma das colaboradoras escreveu em seu perfil: “Adora Madona, embora ultimamente só escute Backyardigans”.

O movimento de tirar do armário a infelicidade dos pais encontra amparo no meio acadêmico. Pesquisa atrás de pesquisa corrobora a percepção de que ter filhos pode piorar a vida das pessoas. As conclusões dos estudos sugerem que os pais comem pior, exercitam-se menos, sofrem um tremendo prejuízo financeiro e são mais insatisfeitos com seus parceiros no casamento (leia o quadro abaixo). Um estudo do sociólogo Robin Simon, da Universidade de Wake Forest, nos Estados Unidos, sugere até mesmo que pais são mais depressivos do que as pessoas que não têm filhos – uma conclusão que contraria o senso comum a respeito desse assunto. Na tentativa de mudar esse cenário pessimista, a publicação científica Journal of Happiness Studies chamou a atenção ao encontrar um estudo provando exatamente o contrário – que filhos trazem felicidade. Meses depois, veio o desmentido: os autores tinham se enganado nos cálculos e a nova conclusão era que “ter filhos tem um pequeno efeito no nível de satisfação das pessoas, frequentemente negativo”.
Aqui você pode ler alguns perfis de famílias que contribuíram para a reportagem.

Fonte: Revista Época, 29 de outubro de 2012
Autoras: Nathalia Ziemkiewicz, com Flávia Yuri

7 comentários:

  1. Tenho 36 anos, vivo há 6 em uma união estável e já começo a sentir as pressões para que eu tenha um filho. Claro que, se eu tiver um filho, a pressão continuará para que eu tenha mais um, pois parece que o papel da mulher na sociedade é procriar.
    Nunca tive o sonho de casar na igreja de branco e tampouco de ser mãe. Aliás, sequer me imaginava casada. Ainda adolescente, em minhas projeções, sempre me via sozinha e independente.
    Porém, com a passagem do tempo e com as pessoas me azucrinando para ter filhos, começo a pensar no que vou fazer. Quando digo que talvez não seja mãe, ouço coisas do tipo: “Não faça isso com você mesma!” “Ser mãe é maravilhoso, um amor sem fim, uma experiência única, bla, bla, bla...” Curioso é que todos se sentem no direito de opinar sobre o fato de eu não querer ser mãe, mas eu não posso opinar na escolha de quem decidiu ser mãe. Jamais poderia dizer: “Não seja mãe, não faça isso com seu filho!” “Não passe suas neuroses para essa pobre criança!”
    A maternidade é aquela coisa sagrada, aquela missão divina, pela qual a mulher deve agradecer de joelhos! Ocorre que não é isso que se vê por aí. Minha mãe tem uma escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental, o que nos dá uma visão de como a maternidade vem sendo exercida hoje. O que se vê são pais ausentes, confusos e cansados, que tentam preencher sua ausência com presentes caros e com a total falta de limites. Criam uns monstrinhos mimados e mal educados. Porém, na hora de descrever a maternidade: É um amor incondicional, filhos são fundamentais para a realização da mulher... Tenho a impressão que elas falam isso para que você, que cogita não passar por isso, passe também. Inventaram que ser mãe é só alegrias para que nós não saibamos da verdade e continuemos tendo filhos.
    Tenho uma colega que é o homem da casa, a provedora. Trabalha muito e quase não tem tempo para a filha, que se tornou cronicamente carente. O casamento está capengando, pois o marido é meio folgadão e bem mais velho que ela. Um dia, encontrei-a na fila de um exame e ela perguntou se eu não teria filhos. Eu disse que talvez não tivesse mesmo, que achava que não daria tempo de ser mãe e ela, com um casamento fadado ao fracasso e uma filha para quem ela mal tem tempo, disse que queria mais dois. Oi??? Tá louca??
    Bom, acho que isso acabou virando um desabafo.
    O fato é que, apesar de saber que posso ter uma vida plena e rica sem filhos, essas cobranças (que eu sei que são hipócritas) mechem comigo. Pelo menos, os novos canais de comunicação, como os blogs, permitem que falemos de maneira mais franca e mais honesta sobre o assunto.
    Certamente, frequentarei esse blog! Parabéns!a


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    1. Olá Ana, é a primeira vez que vejo esse blog e comento... mas vendo seu relato me vi um pouquinho nele...

      Sou casada e não terei filhos. Meu marido soube disso desde quando começamos a namorar (nunca quis ter filhos) e minha mãe é super de boa com isso. Nunca cobrou e aprendeu a aceitar minha opinião. Minha sogra sabe também de minha opinião e também nunca cobrou. A sociedade cobra e eu digo "não, não vou ter!" e quando vêem com o papo de que maternidade é tudo eu chego na lata e falo "então porque você não tem um (ou mais) filho(s)?" aí rola aquele cri cri cri no fundo...

      Talvez pelo fato de eu ser bem firme na minha decisão e argumentos as pessoas nem discutem mais isso comigo...

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  2. Olá Nicole,

    O artigo esta maravilhoso, desmistifica a maternidade. Eu sempre pensei nela como algo sofrido mesmo e as pessoas sempre achavam que devia ter "problemas". O grande problema é que quase ninguém fala abertamente mesmo sobre os percalços de ser mãe.
    Que bom que temos a net, os livros e principalmente pessoas que têm coragem pra falar sobre o ruim de ser mãe. Isso nos ajuda muito a ver que existem pessoas que como nós que não são idealistas quanto a maternidade.
    Abraços.

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  3. Compartilho da opinião de vc's, meninas! Tenho 34 e meu marido 30, somos muito felizes como estamos "farreando" e sem filhos. Nossos fins de semanas começam às quintas e eu gosto disso! Poder acordar 12:00 no Domingo, chegar às 04:00 no Sábado, ir para um barzinho...Sinto uma imensa pressão mas não me abalo, conficiono que realmente não gosto de crianças ( me cansam e me irritam rapidamente) não sei se é patologia ou algo do tipo, já que tenho um amor imenso por plantas e animais! Meus pais já desistiram de me convencer e agora só falta a sociedade! Quando sou questionada sobre o fato sempre respondo que neste ano vai vai dar, por que já comprei as passagens para o exterior. E assim vou empurrando com a barriga essa chaníssima cobrança! Obrigado por existirem!

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    1. Adorei ler a resposta que você dá para quando te perguntam sobre o motivo de não ter filhos! O bom humr, é claro, sempre ajuda. Mas nem sempre resolve. O que importa é você estar certa de sua decisão e bem consiga mesmo sobre a escolha que fez para a sua vida. Porque no fim das contas é isso mesmo, né? Uma escolha indivdual.

      Obrigada a você também por existir e por compartilhar parte de sua história conosco. Se quiser contar a sua história completa anonimamente, me escreva: rodrigues-nicole@hotmail.com. Que a gente marca um bate-papo.

      :)

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  4. Tenho 28 anos e um filho de 1 ano e meio. Minhs gravidez nao foi planejada namorava ha 10 anos mas morava com a minha mae e estudava para defensoria publica quando engravidei. Resumindo minha vida virou de ponta cabeca. Casei, comprei apt e assumi num concurso bem inferior ao que desejava tudo isso em 6 meses para aliviar a culpa de ter engravidao e provar que eu ia arcar com as consequencias. amo meu filho mais q tudo, mas assumo q sou uma pessoa estressada, com enxaquecas diarias, sentimento de culpa de nao ser uma mae mais presente e completamente sem identidade. nao assisto um filme nem um programa que gosto so a galinha pintadinha e o patati patata. nao leio um livro nem nada a nao ser a agenda da escola e bula de remedio. nunca mais sai do
    sozinha com meu marido o q faziamos todo fds.... mas falo isso soh pra mim mesma no intimo do meu intimo porque para o resto do mundo "sou um mulher realizada"....

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    1. Querida anônima,

      É uma pena saber que você se sente assim, mas a verdade é que muitas mulheres que se tornam mães também se sentem assim. Algumas apenas não têm a chance de conversar com ninguém sobre o assunto, sobre como se sentem, sobre como lidarem com o que sentem. Então acabam reprimindo tudo isso. O que é compreensível, já que vivemos em uma sociedade que não nos permite questionar a maternidade automática, quando se é mulher, nem o mito da maternidade, quando se é mãe.

      Fico feliz que tenhas tido a coragem e a vontade da falar um pouco sobre o que você sente. Se quiser falar um pouco mais sobre isso, anônimamente, não hesite em me escrever. Não sou mãe, não sou psicóloga nem terapeuta, mas posso ser uma boa ouvinte (rodrigues-nicole@hotmail.com).

      Um abraço,

      Nicole

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